“Que navio é esse que chegou agora, é o navio negreiro com os escravos de Angola, (…) eles vinham acorrentados pra trabalhar nessas bandas / (…) aqui chegando não perderam a sua fé, criaram o samba, a capoeira e o candomblé (…) “.

Navio Negreiro, Abada Capoeira (ouça aqui)

 

É no ritmo do berimbau, tocado por jovens dispostos em círculo, batendo palmas e entoando versos como a música acima, Navio Negreiro que, duas pessoas jogam ao centro da roda, com golpes, acrobacias e movimentos ágeis complexos, como em uma dança coreografada.

 

A capoeira é uma herança cultural dos escravos negros que foram trazidos da África para serem explorados no Brasil. Ainda que não haja registros históricos confiáveis, diz-se que a capoeira surgiu em meados do século 16, no Quilombo de Palmares, como arte marcial de defesa dos escravos fugidos. Com o tempo, foi se difundindo e se travestindo de dança, ao incorporar música e mímicas para serem praticadas nos terrenos das fazendas onde eram obrigados a trabalhar. A capoeira é, portanto, resistência.

 

É na cadência desse ritmo que a cultura africana é resgatada e apreciada pelos seu praticantes. Foi exatamente o que aconteceu na comunidade de Barra do Pojuca, subdistrito de Camaçari, na Bahia, onde a Associação Cultural Berimbau Arte – que participa do PVE desde 2018 –  atende mais de 87 alunos, com uma faixa etária de 4 a 16 anos.

– Muitos destes jovens tinham vergonha de sua raça, alguns choravam se dissessem que eram negros; o preconceito vinha de fora e de dentro – relata Nelvani Rodrigues da Cruz, vice-presidente da associação.

 

 

Ela e o marido Manoel Simão dos Santos Neto, instrutor de capoeira e presidente da associação, abriram um galpão no quintal da casa deles, oficialmente, em 2012, mas desde 2010 já vinham atendendo os jovens que tiveram a curiosidade despertada pelo ritmo da capoeira. E foi através dessa arte que aprenderam a sentir orgulho da sua raça, do seu cabelo e sentirem-se empoderados quando vestidos com o abadá, relata Nelvani.

– A capoeira também gera uma sensação de pertencimento a uma comunidade, grupo e etnia, além de ensinar a resiliência, porque nos ensina a cair e levantar – resume.

 

Além da roda de capoeira do Grupo Internacional Mundo Capoeira, outra atividade que ajuda muito os jovens na conscientização e orgulho da raça negra é a roda de leitura. Nelvani não é educadora de formação, mas de vocação. E, por isso, reúne os jovens para discutir livros que eles tomam emprestado da biblioteca do projeto, além de promover pesquisas e exposições que revelam mais da história dos negros trazidos ao Brasil.

– Alguns deles eram reis e rainhas, ou grandes guerreiros… é importante mostrar para eles que os ancestrais não foram apenas escravos – explica.

 

Apesar das dificuldades do início, a Associação Berimbau Arte foi conquistando apoio e visibilidade. O ponto alto foi quando foram selecionados para participar do programa do Luciano Huck, da Rede Globo, que reformou o espaço físico do projeto em 2015.

 

Daí para adiante novos parceiros foram surgindo, entre eles o Instituto Clara Ramos, que costuma levar estudantes de universidades norte-americanas para conhecer o trabalho da associação e promover uma vivência de capoeira e maculelê – tipo de dança folclórica brasileira de origem afro-brasileira e indígena – aos visitantes.

 

A associação participa do programa Parceria pela Valorização da Educação (PVE) desde 2018, mas foi em 2019 que passou a se envolver mais com out

ros setores do município e participantes do grupo de Mobilização Social. Juntos, eles somam esforços e trocam experiências sobre os trabalhos que realizam nas comunidades de Camaçari.

 

– Na apresentação final de 2019, nos sentimos reconhecidos pelo trabalho que realizamos, e o PVE despertou na gente esta vontade de estar cada vez mais perto das escolas – conta Nelvani.