Você quer saber como Almirante Tamandaré, na região metropolitana de Curitiba, mobilizou 6 mil pessoas em prol da educação? Bom, a resposta poderia ser dada de forma simplista: um, que engaja três, que vão engajando outros três de maneira exponencial. Mas é muito mais do que isso.

A rede se construiu porque a mensagem passada de um para o outro importa à população – a defesa dos direitos das crianças e dos adolescentes. Como se não fosse pouco, esta rede se baseia nas relações entre as pessoas, no afeto e na confiança. A mensagem chega por alguém em quem a pessoa confia e é comunicada a alguém com quem o indivíduo se importa, gerando um ciclo.

Aos poucos, no boca a boca, a notícia vai se espalhando. Mais pessoas são sensibilizadas e mobilizadas a participar. Esta transformação se irradia da escola e se fortalece por meio da valorização da educação.

Com os dados de 2016, a cidade foi apontada, pelo Atlas da Violência (Ipea), a décima mais violenta do país entre municípios com mais de 100 mil habitantes, tendo 88,5 homicídios por 100 mil habitantes. Curitiba, que é uma das maiores cidades próximas, tem uma taxa de 31,7 homicídios por 100 mil habitantes.

 

— A criança que não tem os direitos mínimos assegurados não aprende, não adianta ter uma escola estruturada se a criança é vítima de violência — afirma o 

secretário municipal de Educação de Almirante Tamandaré, Jucie Parreira, na imagem, à direita.

 

 

Para que os alunos possam se desenvolver, a Secretaria de Educação e Cultura (SME) decidiu que, para o PVE deste ano, iria integrar-se a um dos principais focos: a defesa dos direitos das crianças e dos adolescentes, com o objetivo de promover uma educação com mais qualidade. Neste contexto, a SME aplicou uma abordagem envolvendo as 54 escolas da rede municipal para diminuir os índices alarmantes de violência.

 

Tudo começou da seguinte maneira: a dupla gestora de cada uma das escolas, o(a) diretor(a) e o(a) coordenador(a) pedagógico(a), tem a tarefa de mobilizar outras três pessoas que sejam lideranças locais, com influência na comunidade, para que, juntos, componham o Time de Defesa.

 

Depois de escalado o time, cada equipe tem a missão de fazer um diagnóstico da região e mobilizar mais pessoas de fora da comunidade escolar. O tema foi definido pelo município, mas cada localidade escolhe o enfoque que melhor condiz àquela realidade. A temática futebolística não é a toa: cada Time de Defesa tem um nome, um grito de guerra e uma bandeira.

— A gente entende que quem viola direito de criança está no Time de Ataque, atacando a criança. Nós estamos na torcida pelo direito das crianças e dos adolescentes — explica Parreira.

 

Formados os 54 times, é hora de partir para a ação. A ideia é que cada mobilizado se torne um replicador a favor dos direitos das crianças e dos adolescentes. Essas cinco pessoas têm a missão de mobilizar pelo menos uma outra pessoa fora da comunidade escolar. É assim que cresce, exponencialmente, o número de pessoas mobilizadas no município. A SME tem um setor de Mobilização Social, deixando muito claro a pertinência desta temática dentro da educação. Não à toa, definiram como foco da formação do PVE com gestores educacionais e escolares, a Gestão Democrática e assim todas as frentes ficaram bastante relacionadas entre si.

 

— Começamos a entender que o gestor de escola tem uma figura de autoridade na comunidade, onde o público tem a escola como referência. Se a pessoa tem fala e autoridade, se já consegue aglutinar pais para reuniões, para fazer festas, ela é a pessoa para manifestar alguma causa — analisa Parreira.

 

As seis mil pessoas são uma estimativa feita pela prefeitura em relação ao andamento do programa neste primeiro semestre. Os 54 times são independentes para marcar encontros formativos e ações de defesa dos direitos das crianças e dos adolescentes. Na ocasião da visita dos formadores do PVE, os representantes de cada time convidam todos os mobilizados da sua área para compartilhar ideias. Na formação do Ciclo 2, na última semana de maio, mais de 200 pessoas compareceram e compartilharam resultados, e foi também quando surgiu a estimativa de 6 mil pessoas mobilizadas pelos direitos das crianças e dos adolescentes.

 

Para Kelly Rossa, gestora da Escola Municipal Prefeito Eurípedes de Siqueira, no bairro Jardim Paraíso, a escola tornou-se um ponto de referência de cuidado na comunidade. Por ser o primeiro ano com esta temática, ainda não há estatísticas consolidadas que mostram mudança na comunidade, mas já é possível perceber os primeiros efeitos positivos.

— A gente vê uma transformação gigante: a escola, antes, era um lugar fechado. O pai vinha quando era chamado para levar bronca sobre o que não era legal. Hoje é um espaço para discutir muita coisa — avalia Kelly.

 

A gestora lembra que o trabalho de conscientização em defesa dos direitos das crianças e dos adolescentes é reforçado em reuniões semanais entre os dirigentes municipais, que tomam a linha de frente nessa ação.

— Não adianta eu denunciar e os outros diretores não denunciarem, porque o pai vai mudar a criança de escola e a violação de direito continua. A questão das faltas é bem frequente, mudam [a criança] de escola. Se na outra escola ninguém pegar no pé, ficam numa boa, mas se todo mundo fizer o mesmo trabalho não vai ter como fugir — detalha Kelly.

 

O desenvolvimento da temática escolhida para o PVE nessa e nas outras 53 escolas participantes de Almirante Tamandaré continua até o final deste ano. A gestora avalia positivamente a atuação dos Times de Defesa no primeiro semestre de 2019.

— As crianças estão mais críticas, elas têm uma liberdade maior, querem saber mais, entender o porquê é assim, por que podem isso e não podem aquilo, participam mais das decisões, até na hora do lanche. Antes eles não se sentiam no direito de perguntar. Fazemos reunião com os representantes de turma, [as crianças] estão mais participativas, ajudam mais, o olhar delas faz uma diferença enorme. A partir da hora que a gente abre para o diálogo, isso acontece, tanto para as crianças quanto para as famílias.

 

Educação como intervenção no mundo

O PVE é um programa que promove ações e oportunidades formativas para o desenvolvimento de competências em gestão e mobilização social a fim de que os participantes possam contribuir para a melhoria da educação do município.

 

Conforme Bernard Charlot (2012, p. 12), “motivam-se os outros de fora, mobiliza-se a si mesmo de dentro”. Para favorecer o “mobilizar de dentro”, é preciso, segundo o professor e pesquisador, fazer nascer o desejo, desejo genuíno, que não pode vir de fora e que permitirá interpretar o mundo. A causa eleita por Almirante Tamandaré e a forma como vem sendo tratada são emblemáticas de uma iniciativa mobilizadora, porque conciliam desejo, sentido e ação com o propósito de combater a violência e colaborar com o desenvolvimento pleno de crianças e adolescentes.

 

A mobilização social em Almirante Tamandaré é um exemplo de pelo menos duas competências: Estrutura e Vitalidade de uma rede social pela educação. Esses dois valores comandam as organizações feitas pelo PVE em prol da Valorização da Educação.

 

As práticas desenvolvidas pela competência Estrutura de uma rede social pela Educação são:

Estar aberto à adesão de novos integrantes
Atuar de forma coletiva e unida

 

As práticas desenvolvidas pela competência Vitalidade de uma rede social pela Educação são:

Trabalhar coletivamente para produzir resultados efetivos, consistentes e perenes em prol da qualidade da educação
Desenvolver estratégias para a continuidade da mobilização social em prol da educação

 

A estrutura e vitalidade de uma rede pela educação são valores que sobressaem na união dos moradores de Almirante Tamandaré em defesa dos direitos das crianças e dos adolescentes.

 

Estratégias e ferramentas de mobilização

 

Em Almirante Tamandaré, a estratégia principal foi mobilizar uma pessoa por vez, para ter certeza que as mensagens seriam passadas adiante. Para isso, os Times de defesa usaram:

  • — Grupo de Almirante Tamandaré no Facebook
  • — WhatsApp
  • — Anúncios dentro de cada comunidade, nas escolas e espaços de convivência

 

A divisão de equipes com tarefas específicas para cada pessoa também ajudou a causa a ir adiante. Foram duas pessoas designadas para mobilizar as pessoas fora da comunidade escolar em cada escola, aumentando o alcance e a consciência sobre os direitos das crianças e adolescentes.

 

De início, o primeiro desafio foi convencer as diretorias das escolas. Em princípio, pensaram que o PVE seria trabalho extra. Mas logo este pensamento se provou contrário.

— Primeiro trabalhamos a compreensão dos dados e o potencial de gestão em cada escola. Temos as formações semanais de gestão, trabalhando indicadores de aprendizagem, pensamos em estratégias de indicadores e elas falavam em melhorar a comunidade. Tem diretora que não sabia que tinha esse conhecimento todo. Mostramos isso para elas, o olhar da comunidade — conta Parreira.